30/03/12

País de sopeiras, reformados e polícias

Parece-me necessária uma releitura de Ballard à luz dos acontecimentos recentes no Chiado. A visão torcionária da história regressou (prometendo ao país um valhacouto liberal) com pés de lã, numa fase preambular, e de bota cardada e negra, pouco tempo depois. Os sinais são claros: a sátira distópica está aí ao virar da esquina do Chiado; em uma manhã de sol, dessas que vêm aí, acordamos todos sem poder falar livremente, votar em consciência ou apoiar o Sporting, o Porto e o Barreirense. Durante a última greve geral, as forças de «autoridade» revivesceram (de forma completamente canina e acrítica) o modus operandi clássico dos governos au(s)to(e)ritários: porrada nos trabalhadores, jornalistas e demais transeuntes. O que nos vale é que os polícias também são «povo»: sofrem, como nós, as agruras deste rectangular vale de lágrimas. O que vale ao governo é que os polícias também são «povo»: possuem, como nós, um QI muito abaixo da média europeia. Triste país de sopeiras, reformados e polícias. 

28/03/12

Back to the old house

Voltamos às casas velhas e em vão procuramos os seus vivos, as suas memórias e rumores. Tudo o que resta são os barulhos das madeiras deixadas ao respectivo bicho e um ou dois fantasmas de que não temos sequer as certezas da existência. Voltamos às casas velhas mas sem o delírio da reconstrução. As mentiras são os seus alicerces.

19/03/12

Ordem & progresso

O que está em causa com a crise financeira não é o progresso das sociedades humanas - coisa tão lamarckista quanto marxista - mas sim a ordem natural dos sistemas políticos. Digladiam-se até à morte (com a graça de Deus) a hipocrisia democrática Ocidental e o sincretismo comunista-capitalista Oriental. O mundo necessita tanto de uma democracia sem povo como de um cripto-capitalismo de fachada socialista: ambos os sistemas não são mais que uma espécie de teologia sem fé. As corporações ou o Estado espezinham os indivíduos, e as suas relações; afinal, tudo aquilo que deveria interessar à máquina sistémica que nos governa. O descontentamento deverá transformar-se em revolução; no final, renovar-se-á a Idade Teocrática e com ela a derradeira possibilidade de construir um sucedâneo terrestre do paraíso. 

15/03/12

Ides of March

Remember March, the Ides of March remember: did not great Julius bleed for justice' sake?

Conhecimento do mal

Embora criado com carinho & algum esmero no vestir, da minha infância não poderei dizer que foi lição grada de humanismo. Coisa pouca, se pensarmos nos esfomeados das Áfricas, terra cataclísmica por excelência: tudo por ali abaixo é sumidouro de vida, do Sahara até ao das Tormentas. Sinto porém a falha de leituras pouco dirigidas (de certo modo, até heterodoxas) & agora, no zénite dos anos, não consigo sequer assumir uma preferência pelo Mefistófeles de Goethe ou pelo Satanás de Milton. Percebe-se porquê: na vida, resma literária de falhanços, o Mal também toma mais do que uma forma & é por isso lógico preferirmos o que de mal leva menos. A iliteracia é inimiga do justo, mas a falta de pão mata a alma através do corpo.

11/03/12

De ruina mundi

Ao desvelo do mundo com a fama, o dinheiro & a luxúria - em uma palavra, com a vanitas - deve responder o justo com a moralidade mínima & a educação fundeadas nos ensinamentos de Cristo. No recreio do fim do mundo, o justo põe a salvo unicamente a alma, que é o que interessa, & preocupa-se cada vez menos com a vida: ele sabe que para obter a vida plena deverá conhecer primeiro a morte.