25/02/14

09/12/13

Limbo

É fácil amar as mulheres. O que é delas é também nosso mas por empréstimo ou osmose, nunca por direito próprio dos homens. Vejam-se os filhos e a beleza.

11/11/13

Fim de tempo

De cabelos negros, mais magra - por opção - e nem sempre eficiente, N. desvela sorrisos por entre pastelaria sortida e desejos da clientela. O mundo não pára e muito menos a dor dos cafés em fim de tempo.

23/10/13

Isenheim

A arte é, por agora, posta de lado. Não me interessa o retábulo fabricado a quatro mãos por Haguenau e Grünewald, mas sim os deveres assistenciais dos monges Antoninos. Os irmãos de Isenheim salvavam - literalmente - a pele dos infelizes agraciados com o Fogo de Santo António («o Grande», não o nosso, «dos Olivais»), doença provocada pela ingestão continuada de pão contaminado por um fungo conhecido pelos lavradores como esporão-do-centeio e pelos demais cientistas como Claviceps purpurea. O mundo no início do segundo milénio era mais singelo: os fungos eram males do demónio e os homens da Igreja serviam como mão graciosa de Deus. Em 2013, terceiro milénio, alguma coisa mudou: os fungos continuam males do demónio, mas os homens da Igreja desapareceram. Deram o seu lugar a políticos corruptos, banqueiros e especuladores - homens que não são bem humanos, mas uma mistura infeliz entre fungo, lobo e demónio.

11/09/13

Arresto

Não sei se é possível recomeçar antes de tudo cair definitivamente. O arresto do país aos apetites dos credores é provisório por definição: ou seja: malfazejo por tempo indefinido. É preciso que as torres  caiam para que outras se ergam no seu lugar.

02/09/13

17/08/13

Robert Fitzroy

Felizes os que vivem na sombra dos grandes porque deles será o reino do oblívio.

08/08/13

Mas quem suportará o dia da sua vinda?

Nem só em rugas gravadas transpira a senescência do corpo. Começam-se a desconhecer palavras, a achá-las corpúsculos estranhos no seio do discurso. Apesar das leituras regulares do Bom Livro, único e verdadeiro, nunca me foi dada a conhecer a palavra «swap», mas o Diabo aceita ser chamado por muitos nomes. Arrisco o desconhecimento do mal - descrito em palavras que denunciam actos - na ousadia humilde de quem espera ser salvo.

26/06/13

Real f*ckers

Apesar da crise - ou por causa dela - cresceu o número de milionários portugueses. Amanhã, o povo não irá a greves mas a banhos de subserviência. O chão é o nosso lugar.

14/06/13

Vitória na derrota

«O Cristo na Cruz», de Francesco Guardi. Estudem bem a composição, demorem-se nela. Apesar das cores resplandecentes, a silhueta lembra inevitavelmente o fracasso, a monstruosidade lábil da derrota. Quem diria? O Seu nome é pronunciado por tudo e por nada. Percebe-se quem é o mais fraco - o corpo e não a ideia.

07/06/13

Australopithecus

Dizem - mas eu acredito apenas na Palavra de Deus - que existiram em tempos, em terra africante, homens (ou quase) com o cérebro do tamanho de uma meloa pequena. ~400 cc, para que não fiqueis muito tempo a reflectir sobre o tamanho das meloas. Eram já inteligentes mas não tanto como os homens da Grécia de Aristóteles e Homero. Chamam-lhes Australopithecus, macacos do sul. Num país como Portugal, do meridião europeu, não existem macacos mas humanos. Alguns conseguem vender toucinho a Mafoma. Outros culpam a chuva pelas más colheitas. Os seus cérebros são grandes como a melancia, secos como um melão fora de tempo.

15/04/13

No «ordinary» people

Basta seguir as ruas comezinhas de Winesburg, OH, e falar em redor. O mundo deixou de parir gente apegada à curva de Gauss. O desvio é apenas uma aventura da normalidade, da vida honesta e inabalavelmente «ordinária». 

23/01/13

Mitómano

A palavra convoca uma estranheza envergonhada - por vezes essa é a única saída para quem abjura os significados lexicais, mais até do que as regras de trânsito. Marcelo, o sobrinho do último Rei absoluto, não se livra da fama e do proveito. Não esqueçamos que há muito mais entre a vichyssoise de uma coligação derrelicta e a canja de um velhote adoentado do que supõe a nossa vã filosofia. 

14/01/13

Fui ali ao Mali

Hollande fez aterrar em Bamako os herdeiros das derrotas de Leipzig, 1940 e Dien-Bien-Phu. Não se trata de um ajuste de contas com a história - a França não tem agora esse poder -  mas de uma tentativa de recuperar a memória de um país que já foi «grande» (seja lá o que isso quer dizer). A tudo o mundo assiste, desinteressado - do país invasor e, mais ainda, do país invadido.

11/01/13

On the origin of Chanel

Charles Darwin - não nos espantemos com isto - não sabia muito bem o que era uma «espécie», esse agrupamento «natural» de indivíduos. A aporia sincera  do naturalista inglês discerne-se nas poucas páginas que dedica ao assunto, ainda no início d'A Origem. Como que fugindo à definição, Darwin refugia-se nessa palavra mais amplamente inclusiva que é «variedade». O mundo revela-se nas suas variedades, na infinitude contrastante que o constitui. Homens e mulheres, animais e plantas, religiosos e ateus, vivos e sobreviventes, materialistas e espirituais: variedades alicerçadas na oposição mutual (vide Ferdinand de Saussure), adversárias em retrospectiva e apenas na linguagem. Sem ódio mútuo, honrando a diferença. 

02/10/12

Credo quia absurdum

O conhecimento verdadeiro é sempre um acto de fé - em Deus, ou nos dados imaginados de uma maquineta de laboratório. 

25/09/12

Outono

O gorjeio dos dias reduz-se ao essencial, como se a Trindade resolvesse agora, quase entrados no final do ano, cortar gorduras ao ciclo circadiano. Os dias apoucam-se e com eles os homens - amarrados à economia cadente, à sua sensaboria desteologizada. A Queda não é um pensamento (como escreveu Golding), ou uma sujeição física à gravidade; a Queda é desobediência. Que outra razão encontrais para a expulsão dos vendilhões do templo do Senhor?

03/07/12

What the hell have we? #2

Ex-mo Sr. Ministro de uma-série-de-coisas, DOUTOR Miguel Relvas, com licenciatura em assuntos importantes, obtida com esforço, dedicação e glória em instituição de ensino idónea, é o Homem certo para a redenção do país. A inteligência, a sapiência e a vontade são as características que lhe assentam na perfeição, como se de granito em casa de palha se tratassem. Por mim - que perdoo facilmente as pequenas falhas dos primatas superiores - o Homem receberia  louvores do Estado, da Nação e das Igrejas, por unanimidade e com distinção. Um Homem assim é o resplendor de um país. Digo eu, que não conheço (com o vicejo bíblico) qualquer político da oposição.

02/07/12

What the hell have we?

Ex.mo Senhor Ministro da Saúde, Dr. Paulo Macedo, é homem com obra feita. É o que dizem, e eu não sou pessoa de desconfianças ou dúvidas injustificadas. Será também, e eu não me engano muitas vezes, homem com obra desfeita: o SNS. O orgulho deste país de merda. Taxa de mortalidade infantil: check. Taxa de mortalidade materna: check. Esperança média de vida: check. Ex.mo Senhor Dr. é (era, dizem também) o homem de mão da Medis e, com o denodo de um Prometeu voluntário, carrega com alegria as pedras que hão-de derrubar a maior glória do 25 de Abril. Deus julgará os feitos do Senhor Dr.; estou certo que, depois de caído, terá boa estadia no lago de fogo. 

06/06/12

Piazza della Signoria

Apelidado embora de reaccionário falei, escrevi e confessei sempre contra o materialismo de Florença. Vosmecês reconhecerão ex post facto a minha índole anti-capitalista mas o que consta dos anais não é o meu desvario com o consumo do império mercantil e sim uma vontade férrea de construir na terra o reinado de Jesus Cristo, antes da sua vinda anunciada. Em verdade vos digo: o que me matou não foi a piedade ultramontana  mas sim a forca e a fogueira, bem como a corda e os fósforos dos senhores deste mundo. Este é o momento da retribuição, há corda e fósforos para todos os que se afastaram do caminho do despojamento. 

05/06/12

Journal of Forensic Sciences

Numa espécie de utopia futura - num lugar em que não existem políticos ladrões ou escritores que gostam da Anatomia de Grey - os que agora testemunham o passamento lento deste rectângulo plantado no extremo da civilização poderão recorrer aos pasquins nacionais, ao youtube e às revistas de criminologia para identificar os responsáveis pela morte de Portugal. Estas figuras de cera, opadas em camadas serenas de adiposidade, serão então pó e o seu nome ecoará apenas alguma reminiscência do mal. Por ora, todavia, aparecem com desvergonha em canais de televisão colhendo para os outros os frutos que rejeitam para si. E não há homem que lhes faça justiça, acabando com eles. 

09/05/12

Selecção individual

A adaptação é a soma das vantagens individuais mas só a poderemos reconhecer a posteriori - quando deixarmos mais filhos que todos os outros. De resto, tenta-se a sobrevivência até à próxima estação de cio, comendo e dormindo, cantando e rindo. O mundo seleccionará os mais inaptos.

02/05/12

Distopia rectangular

Nem para velhos, nem para cachopos: este país é para mentecaptos. De todas as idades, géneros (a antropologia tornou obsoleto o conceito de «sexo»: talvez porque tão poucos antropólogos o pratiquem), etnias (vide parênteses anterior: primeira parte, substituir «sexo» por «raça»), e condições. Ontem, primeiro do Maio, o trabalhador substituiu-se pelo desesperado. No Pingo Doce, nem pingo de decência. Apenas os recolectores do capitalismo tardio (Deus o leve, e que o atire para o Inferno) e um canalha homónimo, cuja face negra deveria ser entregue ao julgamento e às sentenças de uma nova Inquisição. Feita pelo povo, para o povo. 

02/04/12

Monstros promissores

O mundo vira-se contra ti por uma única razão: tu existes. A tua presença física é uma excrescência escusada, um acaso filogenético alimentado por presunções hubrísticas e destinos auto-elogiados. Não deverias ter nascido, não deverias ser. O mundo conspira a tua perda - mas as tuas raízes são fortes, o teu apego chauvinista à vida é força que os teus inimigos respeitam. Um dia a tua língua há-de queimar os olhos verdes do mal.